Hoje eu quero compartilhar uma história que não é minha, mas que em muitos momentos se confunde... Somos irmãs, não de sangue, mas irmãs de dor e de cura.
Conheci a Camila depois de descobrir minha doença, por um comentário que ela fez no meu blog e hoje é a história dela aqui, linda, diva, musa:
12 de outubro de 2009. Feriado de Nossa Senhora Aparecida.
Meus dedos digitavam loucamente a apresentação da minha monografia da pós-graduação. Entre teclas e folhas, por algum motivo, passei meus dedos pelo meu seio esquerdo, e então senti pela primeira vez o carocinho tão pequeno que mudaria de maneira tão grande a minha vida.
Não sei se por ignorância (nunca imaginaria que uma menina de 25 anos poderia ter câncer de mama), por excesso de pensamento positivo ou por preocupação demais com outras coisas, marquei o médico somente para a semana seguinte da minha apresentação.
Fui então ao meu ginecologista, que ficou apreensivo com o resultado do ultra-som. Quando ele me disse: “olha, vamos fazer uma biópsia, porque pode não ser nada, mas pode ser um câncer”, eu confesso que demorou uns 10 minutos pra cair a ficha. Minha mãe estava comigo, e ficou completamente aterrorizada (mãe sempre sofre mais pela gente, né? A minha não é diferente).
Marquei a biópsia. Saí do consultório. Liguei pro meu melhor amigo e comecei a chorar. Foi só o primeiro choro de tantos outros que vieram depois.
Tentei levar tudo no maior positivismo depois do primeiro choque, até o exame ficar pronto. E quando a biópsia resultou o nódulo como benigno, foi só comemoração. O que eu esqueci é que biópsias também podem dar erradas.
Com o resultado em mãos, mesmo sendo benigno, a médica aconselhou que eu operasse e tirasse o nódulo. Fui então atrás de um médico especialista que me agradasse. E tinha que ser o melhor, porque eu tava apavorada de ter que fazer uma cirurgia. Logo eu, que nunca tinha entrado em hospital, a não ser pra visitar priminhos recém nascidos (e mesmo assim, a permanência era de 10 minutos no máximo, antes que minha pressão baixasse só de sentir aquele cheiro). E pra minha sorte eu encontrei. Além de ser um dos melhores mastologistas do Brasil, o João Ethur foi, desde a primeira vez que eu entrei no consultório, como um pai pra mim.
Marquei a cirurgia de retirada do nódulo pro dia 5 de janeiro de 2010. Assim poderia curtir o final de ano tranqüila.
Fiz a cirurgia, voltei pra casa no mesmo dia, ganhei presentes, comidinhas, visitinhas, vi filmes, li livros, recebi muito mimo e muito amor. Foi uma recuperação tranqüila. Tudo voltaria ao normal. Eu poderia aproveitar minhas férias e colocar meus tantos planos de estudos/trabalhos/morar fora em prática logo.
Isso até eu perder o sono um dia antes do resultado da biópsia ficar pronto. Parecia que eu sabia que alguma coisa ia dar errada. E deu.
13 de janeiro de 2010. Aniversário do meu melhor amigo. O telefone de casa tocou, minha mãe atendeu, sentou, gelou, ficou branca e começou a chorar. O exame mostrou que a biópsia inicial tinha errado. Eu tinha células cancerígenas no nódulo retirado de mim. E possivelmente eu ainda tinha células cancerígenas no meu seio. Ao ouvir isso, o meu mundo simplesmente caiu (Maisa feelings). Eu caí no chão aos prantos. Eu tinha câncer de mama. Mas a sensação era que um câncer gigante tinha tomado conta de mim por inteiro.
Depois de 24 horas sem comer, sem dormir, chorando sem parar, graças à força dos meus pais, da minha família e do meu melhor amigo (que ganhou de presente de mim a notícia de que eu não iria à comemoração de seu aniversário porque eu tinha câncer), juntei forças e fui ao médico, pra entender melhor tudo aquilo, que parecia um pesadelo.
Era isso mesmo. Eu tinha câncer. Não é comum em mulheres da minha idade, mas acontece, e tem acontecido com uma freqüência cada vez maior. (Então atenção minhas lindas, não deixem de ir ao ginecologista e não deixem de fazer a mamografia, ta? MESMO antes dos 40 anos (que é o indicado, ao meu ver, erroneamente).
Meu médico era mesmo o melhor, foi cuidadoso, carinhoso e explicou tudo que eu precisava saber, muitas e muitas vezes. E isso foi ESSENCIAL pro meu processo de entendimento/aceitação/cura (associado claro, à minha terepeuta, que me levantava cada vez que eu desabava com uma notícia ruim).
Mesmo assim, não deixava de ser assustador estar decidindo que cor de esmalte eu ia usar em uma semana, e na outra ter que decidir se eu faria uma mastectomia parcial + radioterapia (na intenção de retirar apenas parte do meu seio) ou uma mastectomia radical, sem a necessidade de fazer radio nem quimioterapia depois (o que eu considero uma sorte).
Optamos pela primeira. Mil exames e mil médicos de todos os tipos depois, fiz a cirurgia no dia 22 de fevereiro. Essa recuperação já foi bem mais dolorida, foram 2 dias no hospital e duas semanas de repouso em casa. Mas isso não era o pior. O mais doloroso era ter que esperar mais duas semanas pra saber se a cirurgia tinha surtido efeito ou se eu ainda tinha ficado com alguma maldita fucking célula cancerígena em mim. BINGO! Meu pesadelo ainda não ia acabar, minha gente.
Não tinha escapatória. Eu ia ter que retirar meu seio esquerdo. Eu ia perder a parte do meu corpo que sempre foi minha preferida. Eu ia ter que colocar uma prótese temporária (chamada expansor) que seria enchida gradativamente, e depois de 6 meses eu teria que fazer outra cirurgia para colocar o silicone definitivo. Eu teria uma das partes mais importantes do corpo de toda e qualquer a mulher, mutilada pra sempre. Eu, solteira, com 26 anos, cheia de vida, de amor, de tesão.
“E se esse câncer tiver se espalhado? E se eu acabar enfiada em uma cama de hospital? E se eu nunca mais conseguir um namorado por não ter um seio? E se eu não puder engravidar depois do tratamento de bloqueio hormonal que eu vou ter que fazer? E...e...e...e...?”
Foi mais um mês com a cabeça cheia de duvidas, de angústias, de medos, de incertezas.
Mas hoje, olhando pra trás, eu vejo que eu nunca me deixei cair completamente durante esse processo de “baixos e baixos”. Cada vez que eu tinha uma notícia ruim, eu chorava, pensava, pesquisava (maldito google), conversava com as pessoas que me amam, e tocava a vida!
Tudo normal como antes? Pffffffffff, NEM DE LONGE! Mas eu tentava. Eu PRECISAVA tentar.
Depois de saber que todo o resto da minha saúde estava ok e que todos os outros exames tinham dado negativo pra qualquer outra maldita invasão, dei então aquela que seria a última cartada pra acabar com o pesadelo: parti pra mastectomia, no dia 4 de março de 2010.
A sensação foi de ter dado um ponto final naqueles que foram os piores meses da minha vida. Quer saber o que eu senti (além de dor, MUITA dor, nos 45 dias pós-cirurgicos) quando me olhei no espelho pela primeira vez e me vi sem um seio? Alívio.
Lá se vai um ano e três meses. E nunca escorreu uma lágrima no meu rosto por eu não ter mais a mesma aparência que eu tinha antes. Eu me curei. Completamente. E isso é o mais importante. (E a grande mensagem aqui é que o câncer tem cura SIM! E que existe SIM vida normal depois de um câncer!)
Eu to viva. Eu me amo. E eu amo a minha vida. Assim, mesmo cheia de cicatrizes, mesmo com um peito siliconado e outro não, mesmo tomando uma injeção de zoladex na barriga uma vez a cada 28 dias, mesmo estando em uma menopausa forçada (tratamento de bloqueio hormonal pra evitar uma recidiva), mesmo tendo que tomar remédio pra evitar osteoporose e pra combater hipertensão (efeitos do tratamento), mesmo tendo que ir ao médico de 3 em 3 meses pra fazer check-up, mesmo assim, eu não trocaria a minha vida e a minha história pela de nenhuma outra pessoa.
Eu costumo dizer que o câncer me tornou uma pessoa muito melhor. Eu sempre fui um pouco mimada, muito ansiosa, me deixava abater por qualquer coisa, olhava sempre o lado negativo de tudo. E depois de tudo isso, é inevitável que a gente passe a ver a vida com outros olhos. Eu ainda sou cheia de defeitos! Mas eu aprendi a cuidar mais de mim, aprendi a não levar a sério besteiras e pessoas que não valem a pena, e aprendi a lutar com unhas e dentes por coisas que são realmente importantes. Como diz a Drica Moraes, a vida melhora muito quando não se morre.
Voltei a trabalhar, voltei a estudar, recuperei antigas metas, tracei novas maneiras de conquistá-las, e, a quem interessar possa, aquele melhor amigo que eu falei antes, virou meu namorado-grande-amor da minha vida. Ele me ama, exatamente como eu sou, e acho que mais ainda por eu ter passado por tudo que eu passei.
O que eu tenho de diferente de vocês? Nada. Daqui pra frente? Tudo.
Com coragem, amor e fé.
Pra nós.
(E o peito invadido...
... por um gosto oportuno de doce!
Camila Marques
(@milamarkes)
Agradeço demais a ela pelo texto e pela força que sempre me dá verbalmente e pelo exemplo.
E mais uma coisinha nada a ver com o post: hoje eu perdi uma grande amiga, a Lisa, minha cachorra. Chorei chorei chorei e ainda não acabou a vontade de chorar, mas tenho certeza que ela está bem lá no céu dos cachorros. :,(