quinta-feira, julho 05, 2012

Um surto...

Quem me acompanha sabe que de vez em quando eu dou uma surtada, e hoje foi um desses dias...

A secretária da minha médica ligou e disse que ela quer tentar uma nova quimio antes do transplante. E eu surtei, não pela nova quimio, mas porque eu fiquei 5 meses sem tratamento nenhum aguardando o transplante, e agora que está tudo certo vou ficar mais uns 3 meses ainda em tratamento antes dele. Surtei pelo tempo perdido que minha doença ficou aqui agindo em mim...

E do surto surgiu o post no facebook:

Todo mundo comemorando que as férias estão chegando... e eu aqui pensando como eu queria estar trabalhando 18 horas por dia, por 20 anos sem tirar férias. Mas tudo que eu tenho é essa porcaria de vida, que me faz ficar em casa ou no hospital dia após dia e no fim de semana ficar em casa também porque eu não posso fazer nada das coisas que eu gosto de fazer. Eu não vivo uma vida minha, minha vida foi roubada. E não adianta vir me dizer que eu vou ficar bem de novo, porque eu posso não ficar, e se eu ficar ninguém vai me devolver esses anos que eu estou perdendo sendo uma marionete de médicos que nem sequer pedem minha opinião e fazem o que querem comigo, e eu nem posso questionar, porque "imagina, o médico sabe o que é melhor pra você". Mas o médico nunca passou por essa porcaria de experiência... ai de fardo maior que blá blá blá... quer trocar de lugar comigo pra ver como é carregar essa merda de fardo? Sim, eu ainda procuro em que por a culpa por essa merda de doença que roubou de mim tudo que eu amo. Não, eu não acho que eu tenha que aprender nada sobrenatural com isso. Ninguém merece aprender nada dessa maneira.



Só queria dizer que isso não significa que eu deixei de acreditar e confiar em Deus.


Isso também significa que me irrita o fato de algumas pessoas acharem que eu tenho que 


encarar tudo isso alegre e contente. Eu sou humana e uma humana com câncer, eu sofro e 


sofro muito, não sou obrigada a rir da minha própria desgraça. Pra quem me vê bem e 


recuperada acha que é fácil, mas eu tenho crises de ansiedade, crises de vômito, eu já fiz 


cocô nas calças e tive que usar fraldas, eu fiquei careca 3 vezes, isso fez de mim uma pessoa


mais humilde sim, mas foi só uma consequência do meu sofrimento e eu nunca fui lá uma 


pessoa tão ruim pra precisar de tudo isso pra aprender uma grande e linda lição.



Uma das respostas que tive foi a de um médico, João Paulo, amigo de um amigo:




"o que você tá fazendo é vivendo uma situação totalmente atípica em relação a outras vidas, 


na qual cê não é obrigada a "aprender com ela" ou "crescer com ela"... o caralho! Cê quer 


sair fora dessa e pronto! Se nesse meio do caminho cê aprender alguma coisa bacana, 


ótimo, mas esse não é o foco! Eu simplesmente tenho asco dessa opinião hipócrita de 


pessoas de fora, onde (principalmente religiosos) comparam sua dor à de jesus, procuram 


justificativas até de coisas que você fez em "vidas passadas" ou mesmo exigindo de você 


uma posição de mártir que você não é e nunca foi obrigada a assumir."








Espero que nunca saibam por experiência própria como essa vida é difícil, e aos que já 


sabem, eu sei que vocês me entendem. Não somos seres humanos extraordinários, somos 


seres humanos normais que sofrem normalmente como qualquer outro ser humano.


Não esperem que eu seja forte o tempo inteiro porque eu não serei. E, por favor, não me 


digam mais que Deus nunca dá um fardo maior que somos capazes de carregar, porque eu 


não acredito nisso.


Obrigado aos que sempre estão torcendo e rezando por mim e aos amigos que sempre estão comigo.

6 comentários:

Lu e Bárbara disse...

Amamos-te... infinitamente!

C@rin disse...

Perfeito, Aline!

Tem horas em que temos todo o direito de surtar, principalmente quando parecem brincar com as nossas vidas, fazendo-nos passar por tratamentos só quando "eles" querem...

E, se aprendemos ou não algo com essas experiências onco-hematológicas horripilantes, é absolutamente só da nossa conta. Atribuir significados e comparações religiosas, muitas vezes, só nos faz pensar o quanto que tudo pode piorar. E como você bem colocou, tais pensamentos não significam falta de fé ou religiosidade, mas sim, questão de viver na pele, na carne essas dores e na mente essas angústias de termos essas épocas de nossas vidas roubadas e a incerteza instalada ao bel prazer, na maioria das vezes, da "burrocracia" da saúde brasileira...

Apesar de tudo, vai passar. Quando menos esperarmos, quando já até duvidarmos, estaremos livres disso tudo, e aos poucos voltaremos para a nossa vida real, com um estágio esquisito, totalmente inesperado, mas que nos valerá algo, nem que seja denunciar as dificuldades encontradas nesse caminho tortuoso.

Grande abraço e fé na vida!

Carin

Anônimo disse...

sem palavras.....Que Deus a abençoe, pois as vezes tenho vontade de surtar e as pessoas dizem que não posso, pois preciso ser forte etc etc etc...

Sylvia Lira disse...

Temos direito a tantas coisas. Mas ninguém nos dá o direito ao sofrimento. Seja ele por um motivo real, concreto, grave ou ainda menos por um motivo tolo, bobo, fútil.
Entendo que algumas pessoas transmitam esse clichê todo, pq "algo precisa ser dito". Por achar que precisam dar um apoio e tal. Como falam em filmes, novelas e livros... Um senso comum instalado quase de forma inquestionável.
Sou a favor do silêncio quando não sabemos o que falar. Sou a favor que cada indivíduo viva com ou sem dignidade a sua própria dor.

Sylvia Lira disse...

(cont.) Seja essa dor física ou da alma. Entendo que vivemos em sociedade e que as pessoas ao nosso redor se preocupam. Mas respeito tanto tanto a diversidade e complexidade da alma humana que, em determinadas situações, acho que exigir força e superação é invadir demais o outro. E não temos o direito de esperar que o próximo supere como se fosse um peregrino fazendo o caminho de Santiago. Isso é hipocrisia demais.

Gigi disse...

Aline,

como eu te comprrendo.

Se tiver oportunidade veja o que escrevi numa altura muito semelhante. Curioso não é?

http://quimio-gigi.blogspot.pt/2008/05/acho-que-o-que-me-est-acontecer-neste.html

Gigi